Geração distribuída e o Mercado Livre de Energia

Muito se fala atualmente sobre as implicações da geração distribuída de energia. Cercada por regulamentações e já bastante difundida no mercado, a geração própria vem ganhando espaço entre os consumidores, principalmente através dos telhados solares. O que muitos desconhecem é que as regras do sistema de compensação aplicadas para a geração distribuída somente se aplicam aos consumidores do mercado cativo de energia, sendo necessário um estudo mais aprofundado quando se discute a geração própria para os consumidores enquadrados no mercado livre de energia conforme a Resolução Normativa REN nº 506/2012.

Mercado cativo x mercado livre de energia

A tarifa de energia elétrica, como conhecemos, pode ser dividida em duas parcelas, uma delas representa a parcela paga pelo transporte da energia, conhecida como tarifa fio, e a outra corresponde à parcela referente à energia propriamente dita. Os consumidores do mercado cativo de energia são aqueles que compram sua energia diretamente das concessionárias de distribuição, pagando uma única fatura correspondente à energia elétrica e ao seu transporte. Os consumidores do mercado livre de energia, por sua vez, pagam uma fatura à concessionária referente à tarifa fio, a qual é regulada, mas possuem a liberdade de negociar a compra da energia através de contratos bilaterais com as geradoras e comercializadoras de energia.

Para fazer parte do ACL (Ambiente de Contratação Livre) faz-se necessário o cumprimento de uma série de requisitos. Para saber mais sobre os requisitos e como fazer parte do mercado livre de energia acesse: https://www.mercadolivredeenergia.com.br/

Geração no Mercado Livre de energia

O mercado livre de energia é controlado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica)que é composta por diversos agentes: Autoprodutores, Comercializadores de energia elétrica, Consumidores Especiais, Consumidores Livres, Distribuidores, Exportadores, Geradores e Importadores. Este artigo é direcionado para os consumidores livres ou consumidores especiais que desejam gerar sua própria energia através da energia solar fotovoltaica se tornando, então, autoprodutores. Para tal, o primeiro passo é solicitar à ANEEL a autorização para gerar a energia. Já autorizado pela ANEEL solicita-se o acesso à concessionária para então registrar-se na CCEE como autoprodutor.

Ao se tornar autoprodutor, pode-se entender a energia gerada como um custo evitado, sendo necessário adquirir uma quantidade menor, ou mesmo nenhuma energia, de terceiros. Dessa forma, para analisar a viabilidade da implantação de tal sistema, deve-se calcular o custo da energia gerada e compará-lo ao preço da energia a ser adquirida no mercado livre.

Geração com injeção na rede

Como consumo e geração variam ao longo do dia e dos meses, sendo independentes entre si, existirão momentos em que o consumo será maior do que a geração e momentos em que a geração será maior do que o consumo.

Nos momentos em que se consumir mais do que gera, a energia será obtida através da rede da concessionária. Por outro lado, quando a geração for maior do que o consumo, a energia excedente será injetada na rede concessionária. A CCEE realizará mensalmente o balanço entre a energia injetada e consumida, de maneira que o resultado líquido deva estar coberto pelos contratos de compra e venda de energia firmados com terceiros. Caso exista diferença entre o resultado líquido obtido e os contratos firmados, o restante deverá ser liquidado, em até 6 dias úteis, ao valor do PLD (Preço de Liquidação de Diferenças). Para a instalação desse tipo de sistema é necessária a inclusão de alguns equipamentos na conexão com a rede, como religadores, que apresentam um custo elevado.

Geração sem injeção na rede elétrica


Como o PLD varia semanalmente e apresenta elevada volatilidade, a conexão de um sistema de geração com injeção de energia na rede apresenta uma matriz de risco elevada. Para reduzir esses riscos e os custos necessários para a conexão com a rede, uma alternativa é a inclusão de um relé que inibe a injeção de energia no sentido da rede de distribuição/transmissão. Dessa maneira, toda a energia gerada pelo sistema é consumida pela carga local, reduzindo a necessidade de compra de energia perante terceiros e tornando o preço da energia mais previsível.

Já que para consumidores livres raramente a área “in loco” disponível para a implantação de um sistema fotovoltaico é suficiente para permitir uma geração capaz de injetar grandes quantidades de energia na rede, a geração sem injeção na rede elétrica comumente se apresenta como alternativa mais coerente.

Exemplo de consumidor livre com geração própria

O Frigorífico X, consumidor especial participante do ACL, possui um consumo de energia médio de 105 MWh/mês concentrados no horário fora de ponta e com uma demanda contratada de 220 kW. Por ser um consumidor de modalidade tarifária Livre A4 Verde, esse consumidor possui hoje duas faturas de energia, uma com a concessionária e outra com uma comercializadora de energia. No mês de janeiro de 2017 o gasto total com energia do frigorífico foi de R$ 46.687,69, a composição das faturas de energia do frigorífico foram:

Ao longo do ano de 2017 o frigorífico optou por implantar um sistema de energia solar fotovoltaica. Para tal foi realizado um estudo comparando as duas alternativas, um sistema com injeção de energia na rede e um sistema sem injeção de energia na rede. Os resultados previstos para janeiro de 2018 foram:

1. Geração com injeção na rede

Para injetar energia na rede, devido às limitações de área do frigorífico, seria implantado um sistema de 435 kWp, com investimento de aproximadamente R$2.200.000,00, entre o sistema fotovoltaico e demais equipamentos necessários para permitir a injeção de energia na rede.

O balanço entre geração e consumo para janeiro de 2018 é apresentado no gráfico a seguir.No período foi injetado na rede um total de 9.620 kWh e consumidos 61.514 kWh.

Ao final do mês percebe-se uma diferença de 51.894kWh. Supondo que o frigorífico tivesse 40.000kWh contratados de outro fornecedor ao mesmo valor de 2017 e adquirisse outros 11.894kWh ao valor do PLD, o gasto final com energia elétrica do frigorífico seria de:

Dessa forma, o frigorífico obteria uma economia de R$ 18.667,99. Para se analisar a viabilidade financeira do projeto utilizamos um método chamado CEE (Custo da Energia Economizada), e comparamos esse valor com o preço da energia adquirida no mercado livre. Dessa forma obtemos, considerando uma vida útil de 25 anos, e uma taxa de desconto de 6,39% a.a. (CDI):

Dessa forma, o projeto somente se torna financeiramente viável caso a energia comprada no mercado livre, somada à tarifa fio apresente um preço superior a R$ 0,28 por kWh. No caso apresentado a energia era comprada a R$ 0,30 e a tarifa fio era R$ 0,10. Logo a implantação do sistema é financeiramente viável.

2. Geração sem injeção na rede

Quando o objetivo é não injetar energia na rede, evitando custos extras como investimento em religadores já explicitados anteriormente, o sistema fotovoltaico sugerido é menor do que o sistema para injeção de energia na rede. Os 300 kWp instalados custam então aproximadamente R$1.200.000. O balanço de energia do frigorífico com a implantação desse sistema seria então:

Ao final do mês o frigorífico teria consumido da rede um total de 70.586kWh. Outros 2.416kWh teriam sido gerados além do consumo do frigorífico, sendo bloqueados pelo relé. Supondo que o frigorífico tivesse um contrato de compra de energia para 65.000kWh ao mesmo valor do ano de 2017 e adquirisse outros 5.586kWh ao valor do PLD, os resultados obtidos seriam:

Apesar de apresentar uma economia menor (R$ 13.430,59), ao aplicarmos a fórmula para o cálculo do CEE obtemos um resultado mais atraente:

Isso quer dizer que a energia obtida pelo sistema fotovoltaico tem um custo de R$ 0,24 por kWh. Dessa forma, caso a energia obtida no mercado livre, somada à tarifa fio, ultrapasse esse valor, o sistema se torna financeiramente viável. Como essa soma foi de R$ 0,40 para o exemplo apresentado, a implantação do sistema é viável.

Outros benefícios da geração própria solar

Em alguns casos os resultados financeiros podem não se mostrar tão atraentes como em projetos de geração distribuída. Vale destacar, porém, que a instalação de um sistema fotovoltaico apresenta outros benefícios para o consumidor.

O primeiro deles é a previsibilidade no custo da energia. Se em alguns casos o CEE obtido está muito próximo ou até maior do que o preço pago pelo kWh no mercado livre, a instalação de um sistema fotovoltaico torna o consumidor mais independente das variações de preços.

A redução no nível dos reservatórios das usinas hidrelétricas e uma recuperação econômica do país, com consequente aumento na demanda por energia elétrica, podem elevar o preço da energia. Um sistema de autoprodução de energia é capaz de te blindar parcialmente dessas oscilações.

Fora os benefícios financeiros, um sistema de geração própria de energia através de fontes renováveis apresenta uma série de benefícios intangíveis. O principal deles está ligado à valorização da marca. Com uma crescente preocupação com o meio ambiente, atrelar sua marca a sustentabilidade é sempre uma boa ideia, trazendo uma boa imagem da companhia para os clientes.

Fontes:

Alocação de Geração Própria – Regras de Comercialização da CCEE – Disponível em:

https://www.ccee.org.br/ccee/documentos/CCEE_386069

Análise Econômica da Energia – Disponível em:

https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/45003/mod_resource/content/1/analise_investimentos.pdf

https://www.mercadolivredeenergia.com.br/

Photo by Matthew Henry

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